sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Paz com tarja preta

por Fernanda Lacerda da Silva Machado

A perda de uma pessoa querida, uma discussão de família, a ansiedade para uma apresentação do trabalho, preocupações financeiras, dificuldades para dormir, a angústia pelo fim de um relacionamento, a pressão para cumprir um prazo são situações que fazem qualquer um desejar um comprimido para trazer um pouco de tranquilidade em meio ao caos. 

Assim, seja por indicação de parentes, amigos, médicos ou outros profissionais de saúde, muitos iniciam suas histórias pessoais de convivência com o Rivotril®. Há aqueles que carregam sempre uma cartela de comprimidos para um estresse que possa ocorrer eventualmente. Conhecido como “pílula da felicidade”, “comprimido do relax” ou “gotinha da paz”, o Rivotril® se popularizou e virou até inspiração de moda, estampando itens como capa de celular e almofadas (1,2). 

 O Rivotril® é o nome dado pela empresa Roche para o clonazepam, um medicamento da família dos benzodiazepínicos que apesar do nome difícil tem outros irmãos bem famosos, como diazepam (exemplo: Valium®), lorazepam (exemplo: Lorax®, Lorazefast®, Ansirax®), alprazolam (exemplo: Frontal®, Apraz®), cloxazolam (exemplo: Olcadil®) e bromazepam (exemplo: Lexotan®). Basta conversar com algumas pessoas próximas para perceber como o uso destes medicamentos nem sempre é adequado. 

Uma pesquisa realizada no Reino Unido revelou que a maioria das pessoas que utilizaram benzodiazepínicos sem orientação médica fez visando melhorar o sono ou lidar com estresse (3). Nos Estados Unidos, os benzodiazepínicos estiveram envolvidos em 31% das mortes por overdose de medicamentos no ano de 2013 (4). No Brasil, o clonazepam é o benzodiazepínico mais utilizado, o que torna o país um dos maiores consumidores do mundo. Em 2013, o Rivotril® foi o 13o medicamento com maior volume de vendas, movimentando R$ 113 milhões (5). 

Em geral, os benzodiazepínicos têm sido tradicionalmente utilizados no tratamento de problemas de ansiedade e insônia. O clonazepam, especificamente, está indicado principalmente para o tratamento de problemas convulsivos e controle de ataques de pânico (6). 

Os efeitos adversos mais comuns são sonolência, dificuldade em controlar os movimentos, problemas de comportamento, principalmente em crianças, incluindo agressividade, irritabilidade e agitação (6). O clonazepam é contraindicado para pessoas que tenham glaucoma de ângulo fechado, doença grave do fígado e para aqueles que tenham apresentado reação alérgica a outros medicamentos da família dos benzodiazepínicos (7).

Entretanto, o uso frequente é prejudicado pela chamada tolerância, que representa uma diminuição na resposta ao tratamento, ou seja, pode ocorrer perda do efeito ao longo do tempo. Em alguns casos, a pessoa passa a aumentar a dose por conta própria para garantir o efeito percebido no início do tratamento (9). Há risco de tolerância quando o medicamento é utilizado tanto em doses elevadas ou ainda por um período prolongado (8). 

Com o uso prolongado também há risco de desenvolver dependência. O indivíduo com dependência psicológica apresenta um desejo compulsivo de usar o medicamento para reduzir a ansiedade. Já a dependência física se manifesta com a retirada abrupta do medicamento. Os sinais da chamada síndrome de abstinência incluem ansiedade, depressão, dificuldade de concentração, insônia, dor de cabeça, tonteira, perda de apetite, tremores, irritabilidade, náuseas, taquicardia, dentre outros (10). Devido a estes sintomas é que não se deve suspender abruptamente o tratamento. A descontinuação deve ser feita de forma gradual e acompanhada pelo médico (6). 

Também por conta do risco de dependência, recomenda-se que o uso de benzodiazepínicos seja reservado para o alívio de sintomas no curto prazo, ou seja, apenas por um período de 2 a 4 semanas, uma vez que há alternativas de tratamento com melhor perfil de segurança para uso prolongado (9,10).

Com base nestas informações, ainda que seja realmente necessário utilizar o clonazepam, não se pode ignorar os problemas envolvidos. O uso excessivo traz riscos à saúde e não irá resolver efetivamente os problemas do dia a dia. Desta forma, se você realmente precisa utilizá-lo, converse com seu médico sobre os riscos e benefícios do tratamento e siga alguns cuidados importantes (6): 

 - Não aumente a dose ou a duração do tratamento por conta própria;

 - Ao iniciar o tratamento, informe ao médico sobre outros medicamentos que você já utiliza para avaliar se há algum risco de interação, inclusive aqueles vendidos sem receita médica; 

- No começo do tratamento, tenha cuidado ao realizar tarefas que exijam coordenação motora ou alerta mental; 

- Evite dirigir ou operar máquinas até que os efeitos sejam conhecidos; 

- Informe ao médico qualquer mudança de comportamento ou problema de memória detectado durante o tratamento; 

- Evite o uso de bebidas alcoólicas durante o tratamento, pois há risco de aumentar o efeito do medicamento.

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Referências
1. Carta Capital. Rivotril, a droga da paz química [Internet]. 2015 [citado 30 de agosto de 2016]. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/saude/rivotril-a-droga-da-paz-quimica-3659.html 

2. Veja Rio. No astral do Rivotril [Internet]. 2015 [citado 24 de agosto de 2016]. Disponível em: http://vejario.abril.com.br/materia/cidade/riscos-uso-banalizado-rivotril-cariocas-rj 

3. Kapil V, Green JL, Le Lait C, Wood DM, Dargan PI. Misuse of benzodiazepines and Z-drugs in the UK. The British Journal of Psychiatry. 1 de novembro de 2014;205(5):407–8.

 4. Bachhuber MA, Hennessy S, Cunningham CO, Starrels JL. Increasing Benzodiazepine Prescriptions and Overdose Mortality in the United States, 1996–2013. American Journal of Public Health. 2016;106(4):686–8. 

 5. Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. Nota técnica - O consumo de psicofármacos no Brasil - Dados do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados Anvisa (2007-2014) [Internet]. 2015 [citado 24 de agosto de 2016]. A Disponível em: http://medicalizacao.org.br/wp-content/uploads/2015/06/NotaTecnicaForumnet_v2.pdf 

6. American Society of Health System Pharmacists, DynaMed. Record No. 233134, Clonazepam [Internet]. 2016 [citado 24 de agosto de 2016]. Disponível em: http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=dnh&AN=233134&site=dynamed-live&scope=site 

7. Micromedex® 2.0 [Internet]. Truven Health Analytics, Greenwood Village, Colorado, USA. [citado 31 de agosto de 2016]. Disponível em: http://www-micromedexsolutions-com.ez29.periodicos.capes.gov.br 

8. Trevor A, Katzung B, Kruidering-Hall M. Sedative-Hypnotic Drugs. In: Katzung & Trevor’s Pharmacology: Examination & Board Review. 11o ed New York, NY: McGraw-Hill; 2015.  

9. Weaver MF. Focus: Addiction: Prescription Sedative Misuse and Abuse. The Yale journal of biology and medicine. 2015;88(3):247. 

 10. Sweetman S. Martindale: The Complete Drug Reference. London: The Royal Pharmaceutical Society of Great Britain. Electronic version, Truven Health Analytics, Greenwood Village, Colorado, USA [Internet]. [citado 31 de agosto de 2016]. Disponível em: http://www-micromedexsolutions-com.ez29.periodicos.capes.gov.br/

Revisado por: Denise de Oliveira Guimaraes, Juliana Givisiéz Valente.

2 comentários:

  1. O uso de rivortril durante muito tempo, pode trazer alguma sequela?

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    1. Os principais problemas do uso prolongado destes medicamentos são a tolerância e a dependência. A pessoa que usa por muito tempo não terá a mesma resposta do que no início do tratamento, isso pode fazer com que seja necessário usar doses maiores para ter o mesmo efeito.

      Paralelamente a este problema, há o risco de dependência, ou seja, a pessoa passa a ter um desejo incontrolável pelo medicamento. Caso ela não use, podem ocorrer reações adversas, a síndrome de abstinência que descrevemos no texto.

      Todo tratamento envolve uma análise do balanço dos benefícios x riscos. Atualmente, considera-se que na terapia prolongada os benefícios diminuem enquanto os riscos aumentam.

      Além dos efeitos descritos no texto, os medicamentos da classe dos benzodiazepínicos podem causar ainda confusão mental, perda de memória e comprometimento da coordenação. Além disso podem intensificar o efeito do álcool e interferir na ação de outros medicamentos.

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