segunda-feira, 12 de junho de 2017

Uso periódico de medicamentos para vermes: quais os critérios para o emprego sem o diagnóstico de parasitas?

por Fernanda Lacerda da Silva Machado

Por que abordar este tema? Para começar, vale lembrar que as verminoses representam um sério problema de saúde em diversos países do mundo. A Organização Mundial da Saúde estima que aproximadamente 1,5 bilhão de pessoas estejam contaminadas no mundo somente com as chamadas geohelmintíases ou verminoses transmitidas pelo solo, causadas principalmente por Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura e pelos ancilostomídeos (Ancylostoma duodenale e Necator americanus) (1).

Estes vermes são transmitidos a partir dos ovos eliminados nas fezes que contaminam o solo e a água em locais com saneamento básico deficiente. A infecção pode ocorrer por meio da ingestão dos ovos (Ascaris lumbricoides e Trichuris trichiura) ou larvas (ancilostomídeos) através do alimento, água, mãos ou utensílios contaminados.  A infecção pelos ancilostomídeos, que causam, por exemplo, a ancilostomose ou o popularmente conhecido amarelão, pode se dar ainda pela penetração das larvas pela pele, principalmente ao andar descalço em um local contaminado. Uma vez que os parasitas não se multiplicam na pessoa, novos vermes só se desenvolvem a partir de contatos repetidos com as formas infectantes, ou seja, com o ovo ou a larva (2).


As complicações resultantes destas infecções são diretamente proporcionais ao número de vermes presentes no indivíduo, ou seja, quanto maior o número, maior a gravidade da doença. Pessoas com poucos parasitas em geral não apresentam sintomas ou complicações mais sérias. Nos casos mais graves, podem surgir manifestações intestinais, como diarreia e dores abdominais, moleza, fraqueza e até dificuldades de raciocínio e de desenvolvimento físico, visto que os vermes podem prejudicar a absorção de nutrientes importantes. Os ancilostomídeos, por exemplo, podem provocar perda de sangue, resultando em anemia.

Quais são as medidas de controle recomendadas? Melhorias nas condições de saneamento básico para reduzir a contaminação do solo e água, são consideradas essenciais. Além disso, propõe-se ainda ações de educação quanto aos hábitos de higiene adequados e, em alguns casos, o uso periódico de medicamentos para verme (1). 

Para que grupos de pessoas esta última estratégia é indicada? A OMS recomenda o uso de tratamento periódico apenas em comunidades com alta prevalência de geohelmintíases. Em comunidades com prevalência superior a 20%, preconiza-se o uso de medicamentos para verme anualmente e duas vezes ao ano em caso de prevalência superior à 50%. Quando a prevalência é inferior a 20%, as medidas em larga escala não são recomendadas, os indivíduos afetados devem ser tratados caso a caso (3).

Para as verminoses de transmissão pelo solo, os medicamentos recomendados pela OMS são albendazol e mebendazol, ambos utilizados em dose única, devido ao perfil de eficácia para as verminoses mais comuns, segurança e custo acessível. Entretanto, vale ressaltar que não há um tratamento único que seja eficaz para todas as verminoses. Para Trichuris trichiura, por exemplo, o esquema em dose única pode não ser suficiente para eliminar completamente os parasitas (4).

Em relação ao uso de outros medicamentos, cabe destacar que não encontramos na literatura recomendação para o uso de nitazoxanida (Annita) como medicamento de primeira escolha no tratamento de verminoses.

No Brasil, o Ministério da Saúde segue a recomendação da OMS e propõe que o uso periódico de albendazol sem o diagnóstico seja implementado em municípios com prevalência de geohelmintíase superior a 20% (5). 

As crianças de 5 a 14 anos são consideradas um grupo prioritário pelo risco de contaminação, por conta da exposição frequente ao solo e água potencialmente contaminados, muitas vezes sem o devido cuidado com a higiene. Além disso, por estarem em um período de crescimento, este grupo apresenta uma necessidade nutricional importante que, se não for atendida, pode ocorrer prejuízo ao desenvolvimento e aprendizagem (5). 

Em termos nacionais, a partir da avaliação de dados no período de 2010 a 2013, estimou-se a prevalência das geohelmintíases em 3,6% (Ascaris lumbricoides), 1,7% (ancilostomídeos) e 1,4% (Trichuris trichiura), com áreas de maior risco de infecção concentradas nas regiões norte e nordeste (6). Portanto, somente locais específicos do país se enquadrariam como áreas prioritárias para o uso de medicamento para verme sem o diagnóstico.

Apesar da existência de programas internacionais direcionados para a distribuição em massa de medicamentos para verme, a medida ainda é questionada. Inegavelmente esta estratégia resulta em diminuição da prevalência de verminoses na localidade que foi empregada (7,8). Mas qual seria o benefício real desta medida além da redução no número de parasitas? As crianças tratadas teriam um desenvolvimento mais saudável?

Buscando avaliar as evidências do impacto desta abordagem na mortalidade, bem-estar físico, frequência e desempenho escolar, comparou-se o resultado de 45 estudos publicados na literatura. Destes estudos, um que avaliou a mortalidade, incluiu mais de 1 milhão de crianças, enquanto os outros referiam-se a mais de 67 mil participantes. Quais os resultados encontrados? A partir da análise dos trabalhos, os autores destacaram que o tratamento de crianças reconhecidamente infectadas pode representar benefícios em termos nutricionais (9).

No caso do tratamento em massa de crianças em uma localidade, até o momento, não há provas substanciais que o uso de medicamentos para verme sem o diagnóstico promova melhorias significativas na saúde, como estado nutricional, raciocínio, desempenho escolar ou redução na mortalidade (9).  Desta forma, considera-se que os estudos disponíveis atualmente não fornecem evidências consistentes dos efeitos em longo prazo do uso periódico de medicamentos para verme, até mesmo em localidades com prevalência elevada (10). 

Portanto, no momento, não é possível afirmar que o uso periódico de medicamentos para verme, se não há diagnóstico específico, represente benefícios à saúde.

Referências:
1. World Health Organization. Soil-transmitted helminth infections [Internet]. WHO. [citado 22 de maio de 2017]. Disponível em: http://www.who.int/trade/glossary/story073/en/
2. World Health Organization. Helminth control in school-age children: a guide for managers of control programmes. 2. ed. Genebra: World Health Organization; 2011. 
3. Crompton DWT. Preventive chemotherapy in human helminthiasis: coordinated use of anthelminthic drugs in control interventions: a manual for health professionals and programme managers [Internet]. World Health Organization; 2006 [citado 27 de junho de 2014]. 
4. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência Tecnologia  e Insumos Estratégicos, Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Formulário terapêutico nacional 2010: RENAME 2010. Brasília: Ministerio da Saude; 2011. 
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Departamento de Vigilância em Doenças Transmissíveis. Plano integrado de ações estratégicas de eliminação da hanseníase, filariose, esquistossomose e oncocercose como problema de saúde pública, tracoma como causa de cegueira e controle das geohelmintíases: plano de ação 2011-2015. 1a̲ edição. Brasília, DF; 2012. 
6. Chammartin F, Guimarães LH, Scholte RG, Bavia ME, Utzinger J, Vounatsou P. Spatio-temporal distribution of soil-transmitted helminth infections in Brazil. Parasites & vectors. 2014;7(1):440. 
7. Clarke NE, Clements AC, Doi SA, Wang D, Campbell SJ, Gray D, et al. Differential effect of mass deworming and targeted deworming for soil-transmitted helminth control in children: a systematic review and meta-analysis. The Lancet. 2017;389(10066):287–297. 
8. Bóia MN, Carvalho- Costa FA, Sodré FC, Eyer-Silva WA, Lamas CC, Lyra MR, et al. Mass treatment for intestinal helminthisis control in an Amazonian endemic area in Brazil. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo. 2006;48(4):189–95. 
9. Taylor-Robinson DC, Maayan N, Soares-Weiser K, Donegan S, Garner P. Deworming drugs for soil-transmitted intestinal worms in children: effects on nutritional indicators, haemoglobin, and school performance. The Cochrane Library [Internet]. 2015 [citado 25 de maio de 2017]; Disponível em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD000371.pub6/pdf
10. Jullien S, Sinclair D, Garner P. The impact of mass deworming programmes on schooling and economic development: an appraisal of long-term studies. International Journal of Epidemiology. 2016;45(6):2140–53. 

Revisado porDanielle Maria de Souza Serio dos Santos, Danielle Martins Ventura, Juliana Givisiéz Valente, Samantha Monteiro Martins

Um comentário:

  1. Gostei bastante do conteudo, tem grande relevância na minha area de atuação.

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