Você sai do trabalho após um dia cansativo e já planeja seu merecido final de semana: churrasco com os amigos, pizza com a família e muitas guloseimas naquela festinha de criança! Em seguida, conclui: "Acho que não vai cair muito bem, é melhor me preparar, antes de ir pra casa vou passar na Farmácia!". Lá, você vai passando pelas prateleiras e lembra que além de um antiácido, precisa também de um analgésico para aquela dor de cabeça chata que aparece toda vez que você se aborrece e mais algumas vitaminas para garantir uma vida longa e mais disposição para sua rotina.
Mesmo sem perceber, você pode ter sido conquistado por "boas" propagandas. Mas o leitor não é o único com este problema. Até mesmo profissionais de saúde podem ser seduzidos por um bom anúncio (FAGUNDES et al., 2007). Mas vamos deixar esta questão um pouco de lado para tratar da propaganda de medicamentos para a população.
A primeira dúvida que pode surgir é: como o marketing pode ser tão eficiente em influenciar comportamentos? Considerando que o objetivo do marketing é transformar um espectador em consumidor, ele busca construir uma relação forte entre a compra do produto com um conjunto de contextos, estilos de vida e situações desejáveis, criando assim um valor simbólico para o produto (RABELLO; DE CAMARGO JÚNIOR, 2012).
Em geral, isso não traz muitos problemas se o produto anunciado for um xampu, uma blusa ou um carro. Mas o que dizer de um medicamento? Comumente, os anúncios retratam o medicamento como um símbolo de saúde, ou seja, o meio através do qual a ciência possibilita melhor qualidade de vida aos seus usuários, sem riscos.
No Brasil, a propaganda para o público em geral somente é permitida para os medicamentos de venda livre, ou seja, aqueles que podem ser adquiridos sem receita médica. Porém, apesar de ter normas específicas, não são raros os relatos de irregularidades (BATISTA; MCRD, 2013; BREVE, 2011; DE CARVALHO; DE BARROS, 2013).
A resolução que regulamenta a propaganda de medicamentos (RDC 96 de 17 de dezembro de 2008) proíbe, dentre outras coisas, que os anúncios estimulem e/ou induzam o uso indiscriminado de medicamentos, o diagnóstico ao público em geral e a relação do uso de medicamentos a excessos etílicos ou gastronômicos. Apenas com estes itens já conseguimos identificar algumas infrações em propagandas bem conhecidos.
Observe os anúncios de medicamentos, veja se você detecta os elementos apontados por alguns estudos. Em geral, a propaganda se concentra em apontar a eficácia, segurança, bem-estar, rapidez de ação, bom humor, energia, prazer e felicidade associados ao seu uso. Pouco ou nenhum destaque é feito para os problemas como o risco de interações medicamentosas, contraindicações, reações adversas e alertas específicos para grupos especiais como crianças, idosos, grávidas, dentre outros (BATISTA; MCRD, 2013).
Vale destacar que os valores presentes na propaganda não são criados por ela, estes já estão presentes na sociedade e são apenas reformulados para que o espectador associe o produto a um benefício desejado. Por exemplo, se você está resfriado, sabe do profundo desejo de que todos os sintomas melhorem imediatamente. Assim, quando você vê aquele rapaz dormindo tranquilamente após usar o antigripal X, parece que o produto vai agir instantaneamente, garantindo uma noite de sono revigorante no mesmo dia. Afinal, não temos tempo a perder!
Além disso, a propaganda também sugere que os hábitos de vida incorretos podem ser compensados pelo uso de medicamentos. Por exemplo: os que não têm uma dieta equilibrada podem fazer uso de suplementos para manter uma ingestão adequada de vitaminas e minerais. O alívio para a ansiedade ou o desânimo está ao alcance das mãos através de várias formulações.
Por mais tentador que seja acreditar nestas alegações, é necessário ter muita cautela antes de comprar o produto. Lembre-se que não existem cápsulas milagrosas que atuam diretamente sobre um problema de saúde específico sem risco algum e até mesmo uma simples aspirina pode fazer mal para algumas pessoas.
O principal problema da divulgação do medicamento conforme descrito é a indução da automedicação, aumentando o risco de agravamento de problemas mais sérios de saúde, maior ocorrência de efeitos adversos e gastos desnecessários com produtos que não são eficazes, ou seja, há situações em que saúde está em risco e outras somente o seu dinheiro. Na verdade, o dinheiro é um elemento importante para compreendermos a lógica da propaganda.
Apesar das indústrias farmacêuticas alegarem que grande parte de seu investimento é direcionado para ações de Pesquisa e Desenvolvimento, a Organização Mundial da Saúde afirma que aproximadamente um terço dos gastos das empresas do setor é empregado em marketing, valor que representa o dobro do que é gasto em Pesquisa (“WHO | Pharmaceutical Industry”, [S.d.]).
É válido ainda mencionar um pouco dos números impressionantes da indústria farmacêutica. No artigo "El discreto encanto de los medicamentos" (O discreto encanto dos medicamentos), os autores destacam que o mercado farmacêutico tem crescido ininterruptamente, inclusive nos anos de crise econômica. Somente na América Latina, houve crescimento de 12,3% no período de 2007-2011. Além disso, estima-se que em 2017 os gastos globais com medicamentos superem 1,2 trilhão de dólares (PÉREZ PEÑA; JIMÉNEZ RODRÍGUEZ, 2014). Já em 2015, o Brasil deve atingir a 6a posição no consumo mundial de medicamentos (SAÚDE BUSINESS 365, [S.d.]).
Obviamente, parte deste crescimento é resultado do maior acesso aos medicamentos e também do envelhecimento populacional com aumento no número de pessoas portadoras de condições crônicas como pressão alta e diabetes. Entretanto, outra parte provém do chamado uso excessivo e desnecessário de inúmeras formulações.
Diante destes fatos, quais seriam as alternativas para controlar a qualidade dos anúncios e evitar o uso irracional de medicamentos? Especialistas sugerem a anuência prévia como instrumento mais efetivo para evitar irregularidades (ARAÚJO; BOCHNER; NASCIMENTO, 2012). Com esta exigência, a propaganda só poderia ser veiculada após autorização das autoridades sanitárias. A prática é adotada por países da União Europeia, Austrália, México e Equador (NASCIMENTO, 2010).
Por fim, a educação da população também é um elemento primordial no controle da propaganda de medicamentos (HUERTAS; CAMPOMAR, 2008). Portanto, questione sempre os anúncios que chegam até você, converse com seu médico, procure seu farmacêutico, busque informações sempre em fonte confiáveis.
Se tiver alguma dúvida, entre em contato conosco. Envie também sua pergunta pelo Pergunte ao CRIM.
Autora: Fernanda Lacerda da Silva Machado (Farmacêutica)
Revisão:
Danielle Martins Ventura
Juliana Givisiéz Valente
Referências:
ARAÚJO, C. P.; BOCHNER, R.; NASCIMENTO, Á. C. Marcos legais da propaganda de medicamentos: avanços e retrocessos. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 22, n. 1, p. 331–346, 2012. Acesso em: 21 jan. 2015.
BATISTA, A. M.; MCRD, C. Avaliação da propaganda de medicamentos veiculada em emissoras de rádio. Ciênc Saúde Colet, v. 18, n. 2, p. 553–61, 2013. Acesso em: 19 jan. 2015.
BREVE, C. Análise de informes publicitários distribuídos em farmácias e drogarias. Rev Saude Publica, v. 45, n. 1, p. 212–5, 2011. Acesso em: 19 jan. 2015.
DE CARVALHO, M. N.; DE BARROS, J. A. C. Propagandas de medicamentos em revistas femininas. Saúde em Debate, v. 37, n. 96, p. 76–83, 2013. Acesso em: 19 jan. 2015.
FAGUNDES, M. J. D. et al. Análise bioética da propaganda e publicidade de medicamentos. Cien Saude Colet, v. 12, n. 1, p. 221–229, 2007. Acesso em: 19 jan. 2015.
HUERTAS, M. K. Z.; CAMPOMAR, M. C. Apelos racionais e emocionais na propaganda de medicamentos de prescrição: estudo de um remédio para emagrecer. Ciência & Saúde Coletiva, v. 13, p. 651–662, abr. 2008. Acesso em: 21 jan. 2015.
NASCIMENTO, Á. C. Propaganda de medicamentos para grande público: parâmetros conceituais de uma prática produtora de risco. Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, n. 3, p. 3423–3431, 2010. Acesso em: 22 jan. 2015.
PÉREZ PEÑA, J. L.; JIMÉNEZ RODRÍGUEZ, D. El discreto encanto de los medicamentos. Revista Cubana de Salud Pública, v. 40, n. 4, p. 349–360, 2014. Acesso em: 23 jan. 2015.
RABELLO, E. T.; DE CAMARGO JÚNIOR, K. R. Propagandas de medicamentos: a saúde como produto de consumo. Interface-Comunicação, Saúde, Educação, v. 16, n. 41, p. 357–367, 2012. Acesso em: 19 jan. 2015.
SAÚDE BUSINESS 365. Em 2015, Brasil deve assumir 6a posição no mercado farmacêutico. Disponível em: <http://www.saudebusiness365.com.br/noticias/detalhe/24181/em-2015-brasil-deve-assumir-6-posicao-no-mercado-farmaceutico>. Acesso em: 19 jan. 2015.
WHO | Pharmaceutical Industry. Disponível em: <http://www.who.int/trade/glossary/story073/en/>. Acesso em: 19 jan. 2015.
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